Tuesday, November 03, 2015

The Game, “The Documentary 2 & 2.5” (2015)



Jayceon “The Game” Taylor é um peso pesado do hip hop West Coast, e um dos últimos sobreviventes do Gangsta Rap. Não falo de gansgta usado como gimmick por inúmeros MCs para aumentar as vendas de álbuns. Falo de um indivíduo que foi/ é membro de um gang de Bloods (os Cedar Block Piru) em Los Angeles, onde este tipo de coisas é levado um bocadinho a sério. Falo de um indivíduo que cresceu no ghetto, com pais toxicodependentes, conheceu famílias de acolhimento desde os 8 anos, afiliação a um gang, venda de droga, a possibilidade de escapar pelo desporto, e finalmente, depois de levar 5 balas no peito, a redenção pela música. Tudo isso é sabido de cor por quem tem acompanhado a sua carreira musical. Carreira esta que começou há 10 anos atrás, com o lançamento do álbum “The Documentary”, produzido por Dr. Dre e 50 Cent. Depois de 5 milhões de vendas nos Estados Unidos apenas, o rapper de Compton tornou-se um valor seguro do som West Coast.

10 anos, 5 álbuns, muitas mixtapes e beefs mais tarde, eis que o controverso rapper está de volta, pronto a celebrar uma carreira que fez dele milionário, e ao mesmo tempo respeitado nas ruas de Los Angeles. Mas o que tem o The Game a dizer, dez anos depois da sua estreia no microfone?

Para começar, o veterano abre o álbum com o rapper  mais aclamado do hip hop  West Coast actual, Kendrick Lamar. “OnMe” é uma narrativa sobre o caminho percorrido nas ruas de West L.A., com sample de Erykah Badu a suavizar as imagens duras usadas pelos dois rappers.
 Em seguida, a intenção é deliberada de se inscrever na tradição de duas das suas maiores referências (Tupac e Notorious B.I.G) lançando um duplo álbum que ele considera um Testamento para o rap de 2015, ao mesmo título que o “All Eyez On Me” ou o “Life After Death”. E a proximidade com os seus ídolos não para por aí. Se as referências são constantes na letra e nos samples utilizados, é impossível não se sentir um arrepio ao ouvir a faixa nº 3 do primeiro disco: em “Step Up”, The Game usa um sample de “I Get Around” de Tupac e imita na perfeição o flow de Biggie. Com isto, pretende inscrever-se na mesma tradição de storytelling que os seus ilustres predecessores. Mesmo que seja a descrever os seus problemas conjugais num ping pong emocional com a mulher da sua vida que se queixa das suas ausências e traições permanentes em “Circles”, The Game cativa a nossa atenção com a mesma sinceridade que o fazia há 10 anos atrás, mas com muito mais mestria.


Um tema recorrente neste álbum (visível desde a capa, onde o azul dos Crips e o vermelho dos Bloods estão presentes em igual proporção) é o gang banging. Game continua a contar-nos as suas histórias de vida e morte nos ghettos de L.A., mas numa perspectiva mais interrogativa do que nunca. Em “Made in America”, ele canta:

“I used to wanna be Eazy
Then I realized it wasn’t that easy
I used to wish that I was 2Pac
Then I realized that might get you shot
Figured I just gonna be myself though”*

Em músicas como “GangBang Anyway”, “Magnus Carlsen” ou “FromAdam”, o rapper lamenta a morte dos seus na guerra de gangs, e apesar de não renegar o seu passado, lamenta esta violência que o habituou a lidar com funerais e perdas cedo demais.  Porém, o ponto alto desta crítica social é atingido em “The Ghetto”, em dueto com Nas e produzido pelo Will.i.am. Desde rappers assassinados a jovens negros abatidos pela polícia, à pobreza endémica nas comunidades negras na América e em vários pontos do mundo, Game e Nas revezam-se numa leitura pessimista do mundo em que vivemos, numa demonstração de virtuosismo lírico a que nos habituou o nativo de Queensbridge. E quando rimas com alguém desta estatura, tens que elevar o teu nível, senão morres. Podemos dizer que The Game se saiu mais do que bem no exercício.

Algo que pode surpreender os mais desatentos é a omnipresença de Will.i.am dos Black Eyed Peas neste álbum. Produz e canta em 3 faixas, sendo o convidado mais presente. Na verdade, o respeito e colaboração entre os dois artistas vêm de há muito tempo. Will já tinha produzido e participado num dos sons mais emblemáticos do segundo álbum de Game, “Compton”. O rapper/ produtor é nativo de Los Angeles, e assinou o seu primeiro contrato discográfico com a Ruthless, de Eazy E em 1992. É portanto normal a sua presença, sabendo o culto que Jayceon tem pelos NWA. Daí a canção “Don’t Trip” reunir Ice Cube, Dr. Dre e Will.i.am num beat minimalista à la West Coast: uma linha de baixo pesada e hipnotizante, uma bateria ligeira e 3 MCs em pleno ego trip.

The Game faz algumas alusões ao seu primeiro álbum, e ao facto de este ser uma forma de fechar um ciclo. Duas músicas (“The Documentary 2” e “LikeFather, Like Son 2”) são sequelas de músicas presentes no Documentary original. São o ponto de vista de um Jayceon mais maduro, mais experiente, mais lúcido e capaz de transmitir uma mensagem positiva aos seus fãs e aos seus filhos. E como para rematar a esquizofrenia (assumida) deste gangster narrador, o segundo disco acaba com uma ode ao seu passado(?) de drug dealer, e tem como título pouco subtil o nome do maior traficante mexicano da actualidade: “El Chapo”.

The Documentary 2 + 2.5 é um duplo álbum que, mesmo se não traz nenhuma novidade, instala mais firmemente The Game na paisagem musical. Na continuidade da tradição West Coast, rodeado de um exército de convidados, seja no microfone ou na produção, o rapper de Compton conseguiu erguer mais um marco importante no hip hop, que neste momento bem precisa deles. É notável o caminho percorrido desde o primeiro álbum. Mais versátil no seu flow, mais capaz de variar cadências e deliveries, mais propenso à introspecção e afinando a sua perícia como contador de histórias, Jayceon Taylor cospe as suas tripas neste álbum, provavelmente o melhor da sua carreira. Apesar de Dr. Dre ter voltado ao estúdio para ajudar na produção, não assumiu o controlo total como da primeira vez. E o resultado é um álbum bastante homogéneo, equilibrado, e calibrado mais para ser ouvido no carro do que no club.






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*”Costumava sonhar em ser o Eazy / Mas apercebi-me que não era tão fácil assim / Costumava desejar ser o 2Pac/ Mas percebi que podia ser alvejado por isso / Decidi que era melhor ser eu mesmo”