Friday, May 23, 2014

Racismo, Humanidade e Bananarama




Eu como banana e não sou macaco.
Eu acredito na teoria da Evolução e não sou macaco.
 Eu sou negro e não sou macaco.

Acho muito bem que os macacos se multipliquem, por solidariedade, para calar os racistas, por tudo e mais um par de botas. Sejam felizes, sejam macacos. Eu não sou. Só tenho pena que todos os auto-intitulados macacos, frutos da hype e do consenso mediático orquestrado por uma agência de publicidade, não tenham tido o mesmo reflexo na escola primária, quando certamente conheceram um preto que, no meio da roda, era tratado de macaco pelo grupo dominante. Se calhar alguns também cantaram, riram, humilharam... Mas hoje a internet manda ser macacos, porque carga de água não o seríamos todos? Ainda por cima é por uma boa causa! Quem não o for, ou resolver levar as coisas de maneira literal, não compreende nada da vida, é um hipster que quer ser do contra, é um frustrado que põe a sua história pessoal acima do bem fundado consenso MUNDIAL de que só há solução para o racismo na macacada. Se calhar sou isso. Sofro de muitos problemas, este é mais um, sem dúvida.


Apenas acho que não faz sentido toda a vida me afirmar como humano, renegar o macaquismo que me quiseram atribuir desde a infância, para hoje dizer: "Ufff!!!!!!!!!! Finalmente, hoje ganhámos uma batalha contra o racismo. HOJE SOMOS TODOS MACACOS! VITÓRIA!" O meu excesso de dignidade e de consciência não permite.

Peço perdão a todos os que ofendo por não entrar na sacro-santa lógica imposta pelo instagram, peço desculpa por não conseguir filosofar símicamente. Eu não sou macaco. Não consigo ser, não quero ser. Nem por uma causa, nem por um segundo. É que para mim, não é uma problemática que surge quando atiram bananas ao Daniel Alves. É um combate vivido na pele há três décadas e meia. É passear com a mãe da minha filha grávida, e um corajoso dizer, depois de estarmos separados pelas portas do metro: "vai nascer daí um lindo macaco!" É mexerem-me no cabelo desde pequeno como se fosse um animal de estimação a ser descoberto pelo proprietário, extasiado com a fofura do pelo. É dizerem-me a vida toda que falo e escrevo bem "para um preto".


É a mesma lógica que fez cientistas até ao século XX afirmarem que os negros são 3/5 de seres humanos, vá-se lá saber o que isto quer dizer. É a mesma lógica que fez com que as exposições universais até ao princípio do século XX expusessem seres humanos em jaulas, pois não eram mais do que animais exóticos. É a mesma lógica que fez com que fossem perenizadas tradições que dizem que o Africano nasceu para servir. Os filhos de Cham (ou Canaã), filho de Noé, o amaldiçoado. "Servo do Servo será de seus irmãos" (Genesis, 9:25). Teorias de eugenismo foram escritas com base nestas ideias e premissas. Para eu hoje, num acto de solidariedade espontânea e irreflectida, ceder naquilo em que acredito e me tornar um macaco COMO OS OUTROS? NÃO. Cada um combate o racismo como quer e pode. Hoje somos todos macacos, amanhã somos todos pandas (branco, preto, asiático e gordo, magnífico símbolo ecuménico!)... Eu não me consigo dissociar de quem sou. Nem sinto necessidade disso para provar o que quer que seja aos racistas. SOU HUMANO. LITERAL E FILOSOFICAMENTE. SEM CONCESSÕES.

escrito a 30 de Abril de 2014, em plena febre símica mundial. Desde então...


E para quem ainda apoia o movimento da banana, eis uma prova de que é preciso ser um macaco mediático para ser aplaudido...