Tuesday, February 02, 2010

Jeanne Hébuterne, o triunfo do Amor sobre a Maternidade!


Houve um momento em que só se via biopics em Hollywood. Alguns, mais confidenciais que outros, retratavam a vida de artistas menos conhecidos do grande público do que Ray Charles ou Johnny Cash. Jackson Pollock. Basquiat. Frida. Modigliani. Ao ler "Jeanne Hébuterne" no título do teu post, pensei logo no filme, que vi há largos anos, sozinho numa sala de cinema deserta em chatelet, l'UGC Orient Express (que deve talvez o seu nome ao facto de se ouvir passar o metro em plena projecção...);

Lembro-me que, além do interesse "natural" que é o meu pela pintura, gostei muito da actuação do Andy Garcia e da Elsa Zylberstein. Conhecia de nome e algumas obras do Modigliani, o filme mergulhou-me na sua trágica vida. E lembro-me de ter dito a mim mesmo quando a Jeanne se suicidou: "que egoísmo!" Não pensei em termos de coragem ou cobardia, apenas no egoísmo que é abandonar uma criança tão pequena e sacrificar uma por nascer por causa de "sofrimento de amor". Qualquer que seja o nosso carácter, passional ou cartesiano, ter um filho não é uma coisa que se faça de maneira ligeira, é uma responsabilidade para toda a vida. Muita gente fica chocada quando certas mulheres dizem "eu não quero ter filhos", eu não. Não vejo qual é o problema em admitir que não se está disposto a sacrificar parte da sua liberdade por uma duração indeterminada, pois ser Pai, ser Mãe, é nunca mais se pertencer TOTALMENTE a si próprio.

Tirar a própria vida tem sempre consequencias para aqueles que nos rodeiam, que ficam tristes, inconsoláveis. Mas quando se tem filhos, quando se sabe o número de crianças que vivem neste mundo sem rumo, sem abrigo, sem alento, sem pais... Deve-se fazer os possíveis para não se contribuir para esta miséria humana. Não podemos salvar todas as crianças abandonadas ou privadas involutariamente de seus pais pelo mundo fora, infelizmente. Mas o facto de não fazermos VOLUNTARIAMENTE novos orfãos é em si uma contribuição importantíssima para o equilíbrio já de si precário deste planeta. Porque a dor de um filho que se sabe abandonado por um pai, seja qual for a razão, provoca uma miséria afectiva que não é quantificável em estatística nenhuma... Não há nada pior do que uma criança sentir-se um "erro", um peso para quem o fez, e ao abandoná-lo, é tudo o que um Pai ou uma Mãe consegue.

Uma criança de dois anos como tinha a filha da Jeanne Hébuterne não quer saber se a Mãe estava a sofrer demais pela ausência do homem que amava, ela precisava apenas dos seus Pais com ela. O Pai morreu de doença, é uma fatalidade; a Mãe suicidou-se, é uma escolha. Talvez, se o amor pelo Amedeo era tudo o que contava para ela, tivesse sido melhor serem só os dois, sem filhos... Teria sido mais honesto da sua parte. Claro que, sendo a musa de um pintor que se tornou célebre, o gesto foi visto como muito romântico, alguns hão-de ter mesmo "compreendido", talvez mesmo a filha, quando cresceu, pois mesmo se não teve a Mãe, herdou de uma lenda: o Pai, um génio, e a Mãe, a musa inconsolável com a perda do seu pygmalion. Mas a verdade é que, transpondo esta história para simples anónimos, a Mãe seria vista como uma galdéria que abandonou a família, onde tinha um certo conforto e perspectiva de vida, para seguir um boémio, fez filhos e não assumiu a responsabilidade...Quantas vezes já ouvimos esse discurso a propósito de X ou Y?...

Eu não julgo, tento pôr as coisas sob uma perspectiva menos passional. Eu sei que, no momento, podemos ser submergidos pela dor e fazer coisas sem pensar nas consequencias, inclusive para os nossos próprios filhos. Mas antes de nos tirarmos a vida, há sempre um instinto que nos prende a ela. E quando este não é suficientemente forte para nos segurar, uma criança de 8 meses na barriga, a definição mesmo da VIDA dentro de si, deveria ser...

1 comment:

_+*Ælitis*+_ said...

Thank you. You answered it. Completely.

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